Infidelidade conjugal gera indenização por danos morais?

Artigo escrito pela Advogada Camila Bernardes Aniceto, sócia do Escritório Santos e Aniceto Advogados Associados.

A vida é feita de escolhas, umas mais difíceis e impactantes do que outras. A escolha de se casar e com quem se casar é uma das mais complexas de se fazer. Normalmente, a pessoa, ao escolher outra para dividir a sua vida, observa se referida outra pessoa possui valores e princípios importantes em um relacionamento, como, por exemplo, a confiança e o respeito.

Nesse sentido, o Código Civil, em seu capítulo da eficácia do casamento, dispõe quais são os deveres de ambos os cônjuges, vejamos:

“Artigo 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I – fidelidade recíproca;

II – vida em comum, no domicílio conjugal;

III – mútua assistência;

IV – sustento, guarda e educação dos filhos;

V – respeito e consideração mútuos.”

Percebe-se na leitura de supratranscrito artigo que a fidelidade é um dever de ambos os cônjuges (inciso I), os quais devem se respeitar e se considerar (inciso V). É isso que ambos esperam um do outro quando celebram o casamento e dizem aquele famoso “sim” um para o outro.

Conseguintemente, surge uma dúvida importante no caso de haver traição conjugal: O adultério é um ilícito civil passível de indenização por danos morais?

Se o adultério é um ilícito civil – como consagra o artigo 186 do Código Civil, que diz que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito – a pessoa que pratica referido adultério deve reparar o seu cônjuge, como dispõe o artigo 927 do mesmo diploma legal, que assim alinha: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Todavia, o conceito de fidelidade para os operadores do direito, como no caso dos juízes, tem uma valorização subjetiva, isto é, uma valorização pessoal, particular e íntima do sujeito pensante, isso se verifica na análise dos julgados jurisprudenciais, em que a caracterização dos danos morais depende do entendimento de cada magistrado no caso concreto. Vejamos dois casos de adultério julgados pelo TJDFT:

1) APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – INFIDELIDADE CONJUGAL – INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – INAPLICABILIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

O juiz é o destinatário de toda a prova produzida ou a produzir-se nos autos, com livre convencimento sobre os fatos em discussão e o seu enquadramento numa moldura jurídica, razão pela qual despicienda qualquer outra prova para o deslinde da controvérsia, cabe ao julgador o dever, e não a faculdade, de proferir sentença, quando não houver a necessidade de produção de outras provas, estando, portanto, o processo maduro para seu julgamento.

Em que pese seja natural que o rompimento da relação e a descoberta da traição tragam dor, sofrimento, tristeza e desapontamento ao apelante, tais fatos não demonstram, no caso em comento, acontecimento extraordinário a evidenciar flagrante violação aos seus direitos de personalidade.

“Não é qualquer dor ou constrangimento que acarreta o dever de indenizar, sob pena de banalizar o próprio conceito de dano moral. Assim, a tendência de querer ver em tudo uma causa de dano moral é ainda mais perigosa porque se insere em um pensamento econômico-financeiro que quer monetizar todas as relações sociais, impregnando-as, de maneira radical, pelo fator dinheiro, transformando o dissabor, a angústia, a dor, em forma de vingar o desafeto, e isso o Judiciário não pode chancelar.” (Sentença de fls.147/148 v.).

(TJDFT. Acórdão n.549835, 20090710325867APC, Relator: LECIR MANOEL DA LUZ, Revisor: FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 16/11/2011, Publicado no DJE: 28/11/2011. Pág.: 75)

2) CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – VIOLAÇÃO AOS DEVERES MATRIMONIAIS – OMISSÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA – VIOLAÇÃO DA HONRA SUBJETIVA – DANOS MATERIAIS – INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS CARACTERIZADORES – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Não somente a inobservância do dever de fidelidade, mas também o período em que o autor permaneceu acreditando ser o pai biológico da menor, em razão da omissão sobre a verdadeira paternidade biológica, justificam o dano moral passível de reparação.

Os danos materiais exigem a demonstração efetiva dos prejuízos suportados em decorrência de uma conduta ilícita praticada com dolo ou culpa.

(TJDFT. Acórdão n.400403, 20070110322600APC, Relator: LÉCIO RESENDE, Revisor: FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 16/12/2009, Publicado no DJE: 25/01/2010. Pág.: 42).

Verifica-se que no primeiro julgado, o entendimento foi o de que o rompimento da relação conjugal e a descoberta da traição, mesmo trazendo dor, sofrimento, tristeza e desapontamento, não demonstram no caso em comento violação aos direitos de personalidade, não configurando, assim, danos morais.

Já no segundo julgado, a inobservância do dever de fidelidade no caso analisado justificou o dano moral passível de reparação.

Ora, o que se percebe, ao analisar citados julgamentos, é que um mesmo órgão julgador, mesmo diante de situações parecidas, julga de maneira distinta.

Vale colacionar, também, um julgado do Tribunal de Justiça do Goiás, por ser um dos principais tribunais com tendência a decidir favoravelmente ao pedido de compensação do dano moral por este objeto:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO LITIGIOSA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ADULTÉRIO OU TRAIÇÃO. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. POSSIBILIDADE. QUANTUM ARBITRADO. CONDIÇÃO ECONÔMICA DAS PARTES. I- O que se busca com a indenização dos danos morais não é apenas a valoração, em moeda, da angústia ou da dor sentida pelo cônjuge traído, mas proporcionar-lhe uma situação positiva e, em contrapartida, frear os atos ilícitos do infrator, desestimulando-o a reincidir em tal pratica. II- O valor da indenização não deve ser alterado quando o juiz, ao fixá-lo, já levou em conta a condição econômica dos envolvidos e a repercussão na vida sócio-afetiva da vítima, restando, assim, bem aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.”

Dessa forma, conclui-se que não há como responder se a infidelidade conjugal gera ou não a indenização por danos morais, pois depende da análise do julgador no caso concreto, que fundamentará a sua decisão com base no contexto sócio-cultural em que vivem os cônjuges. No entanto, o que muitos esperam é que o Poder Judiciário seja uníssono na defesa dos deveres conjugais e felicidade familiar.